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Por que o Bolsonaro vê em Paulo Freire um inimigo

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Educador ficou exilado durante 16 anos, durante a ditadura militar, devido seus métodos inovadores de educação, com foco na transformação   - Créditos: Reprodução

“Evidentemente, eu fui preso e exilado por causa da ditadura. A ditadura militar de 1964 não só considerou, mas disse por escrito e publicou que eu era um perigoso, subversivo internacional, um inimigo do povo brasileiro e um inimigo de Deus”, diz Paulo Freire em entrevista dada à TV Cultura em 1989, quando relembra a perseguição sofrida durante o regime militar.

O educador e filósofo foi preso e ficou exilado durante 16 anos por causa de seus métodos inovadores de educação, com foco na transformação social.

Em 1963, Paulo Freire elaborou um projeto inédito e ousado: alfabetizar jovens e adultos em 40 horas. O novo método aplicado em Angicos, no Rio Grande do Norte, era baseado na experiência de vida e nas distintas realidades das pessoas. Para o educador, aprender sobre o mundo coexiste com a aprendizagem das palavras.

Em vez de cartilhas, ele trabalhava conceitos da realidade. Para um trabalhador rural que pouco cultivou as letras, mais do que juntar as sílabas e compreender que está escrito ‘tijolo’, por exemplo, era necessário entender quem faz o tijolo, quem são os que constroem as casas e quem são os donos delas.

“Paulo Freire foi um dos grandes sistematizadores da educação popular, é uma concepção de educação em que ele coloca que a libertação do oprimido está com ele. Não é um iluminado que vem para libertá-lo, é no próprio oprimido que está a chave para a libertação e dentro dessa perspectiva de problematizar o que traz a opressão. E nisso, ele traz o elemento de classe: se tem um oprimido, é porque tem um opressor”, expõe.

Sua metodologia dialógica foi considerada perigosamente subversiva pelo regime militar, o que rendeu a Freire o exílio. O educador, entretanto, não deixou de produzir e nesse período escreveu algumas de suas principais obras, dentre elas, a Pedagogia do Oprimido.

Bolsonaro não quer para os jovens: a formação de um pensamento crítico.

Representando a extrema-direita e os militares, aqueles que exilaram Paulo Freire, o  presidente Jair Bolsonaro (PSL) colecionou insucessos em seus anos de mandato na Câmara, como o completo desprezo da educação. Deputado há 27 anos, ele teve apenas dois projetos aprovados e, das 150 propostas apresentadas, apenas um trata de educação.

A rejeição a Freire, a meu ver, revela uma questão premente de nossa história de reconhecer ou não o povo como sujeito de direitos, garante, ponto sobre o qual o educador se apoia para chamar a pedagogia freiriana de “pedagogia dos oprimidos concretos.

“O que caracteriza a nossa história é não reconhecer os indígenas, os negros, os pobres, os camponeses, os quilombolas, os ribeirinhos e os favelados como sujeitos humanos”.

Em sua análise, essa crença serviu, ao longo da história, como justificativa ideológica para que as classes dominantes escravizassem e espoliassem esses setores sociais. “Tudo isso a partir de uma visão de que somos o símbolo da cultura, civilidade e os outros a expressão da sub-humanidade, subcultura, imoralidade. É isso que nos acompanha ao longo da vida e Paulo Freire se contrapôs a isso, inverteu esse olhar.

A perseguição a Paulo Freire na época da ditadura não apenas o expulsou do Brasil, mas também do sistema de ensino do país, impondo um autoritarismo e associando a educação ao chamado tecnicismo pedagógico, que a afasta de qualquer caráter social. Não conseguimos sequer agregar qualidade a esse tecnicismo, mas o fato é que ele é uma herança da ditadura e continua forte agora na gestão de Bolsonaro, que visa uma escola sem partido, sem partido que não seja de interesse dele.

Uma educação de qualidade, consciente e libertadora seria uma grande ameaça para a classe dominante de um dos países mais desiguais do mundo. O ensino público vem, desde o aprofundamento do neoliberalismo com o golpe de Temer em 2016, passando por um processo de desmonte, que vai se acentuar com Bolsonaro no poder: suas propostas não são conexas, claras ou estruturadas. O que se pode entender de suas declarações é que encara esta área tão fundamental para o desenvolvimento da sociedade como mais uma mercadoria em sua lógica privatizadora.

A partir das práticas educativas populares podemos compreender-nos, aumentando nossa capacidade de transformação, ocupando os espaços políticos, reivindicando debates e combatendo os retrocessos institucionais de nossa política; lutando nas escolas, nas periferias, a partir do afeto, construindo caminhos até conquistar a liberdade, essa que tanto os chateia.

Hoje, mais do que nunca, a educação popular é fundamental para gerar um ser coletivo, porque como bem dizia Paulo Freire, “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”.

 

 

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