Movimentos semelhantes no Sul do país ou em São Paulo contam com algum nível de compreensão e espaço na mídia, embora não sejam levados a sério. É estapafúrdio, pensam alguns, mas compreensível, que regiões mais ricas não queiram “carregar o Brasil nas costas”. Pois o tratamento explicitamente danoso do atual governo para com as mazelas que atingem o Norte e o Nordeste levanta a questão: não são eles os que têm motivo de sobra para pular fora?
Amazônia Independente
Amazônia independente Fundada em janeiro de 2019, a Associação Cultural Povos da Amazônia é, segundo seu site, “uma organização popular suprapartidária, e independente, que pretende promover e integrar a cultura amazônida, reforçando a identidade regional para além das fronteiras estaduais e fortalecendo o vínculo entre o povo e as suas raízes históricas e sua terra, visando conquistar futuramente o direito ao autogoverno e à soberania.”
O movimento “parte do princípio de que existe um povo amazônida”, “com história e cultura próprias, que marcam uma identidade cultural específica dentro do estado nacional brasileiro”. O manifesto segue citando a “humanização da Amazônia” e a “visibilidade para o povo amazônida e também para os povos indígenas, considerando que a cultura regional não tem a visibilidade e a valorização justas em âmbito nacional”.
Para o historiador Julian Axel, a região amazônica nunca esteve realmente integrada ao resto do país. Tanto que, diz Axel, até 1823 as províncias do Brasil e do Grão-Pará eram separadas. “A região foi anexada um ano após a independência do Brasil, e teve uma colonização diferente, com outra dinâmica. Sua língua padrão (de origem indígena) era outra, e permaneceu hegemônica até o final do século 19. Perdeu espaço por conta da migração massiva de nordestinos e da repressão à Cabanagem [revolta popular ocorrida entre 1835 e 1840 que matou cerca de 40 mil pessoas].”
Nordeste independente
Talvez nunca na história recente uma região antagonizou tanto o mandatário do momento quanto o Nordeste em relação a Jair Bolsonaro. Fernando Haddad (PT) venceu em todos os seus estados no segundo turno da última eleição, e a postura do presidente não tem aumentado a simpatia local por ele.
A página do movimento Nordeste Independente no Facebook tem charges pedindo “basta de Brasília”, que teria planos de “humilhação e servidão” para o futuro do povo nordestino.
Representante do movimento, o engenheiro e economista recifense Jacques Ribemboim debate a opção pelo separatismo pelo menos desde 2002, quando lançou o livro “Nordeste Independente”. Por isso mesmo, faz questão de esclarecer que não se trata de oportunismo. Sua tese é muito anterior a chegada de Jair Bolsonaro ao poder.
“O Nordeste padece com o neocolonialismo interno. Os estados do Sudeste têm um poder econômico que os privilegia sobre o Nordeste, levando por exemplo mão-de-obra e matéria-prima daqui, sem a contrapartida. O que os nordestinos vêm fazendo há décadas, talvez séculos, é trabalhar mais para conseguir menos”, diz o professor. O resultado, acredita, é a deterioração regional em nome de uma “bandeira nacional”.
Autonomia, sim; independência, não.
Por mais que movimentos separatistas preguem uma atuação gradual, e não disruptiva, o fato é que as portas legais estão oficialmente fechadas a qualquer tentativa de separação. “Nós [o Brasil] adotamos a forma federativa de Estado, e esse formato é uma cláusula pétrea da Constituição. Ou seja, nem por emenda constitucional poderíamos aboli-la”, diz Emmanuel Teófilo Furtado, professor da UFC (Universidade Federal do Ceará).
“A maneira mais simples de definir Estado Federal é caracterizá-lo como uma forma de organização e de distribuição do poder estatal em que a existência de um governo central não impede que sejam divididas responsabilidades e competências entre ele e os Estados-membros”, explica o site do Senado Federal.
Isso significa que a Constituição garante, ao menos na teoria, certa autonomia aos estados. Mas não abre absolutamente nenhuma brecha para demandas separatistas. “É impossível juridicamente criar um estado totalmente independente e soberano. Teria que haver uma ruptura constitucional, uma revolução”, afirma o professor.