Enquanto alguns especialistas entendem que diálogos só poderiam ser divulgados com autorização do STF, outros não veem ilegalidade na ação
A divulgação da conversa telefônica entre a presidente Dilma e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva gerou um debate nos meios jurídicos sobre a legalidade da ação do juiz Sergio Moro. Como a presidente Dilma desfruta de foro privilegiado, há dúvidas se o juiz poderia ter tornado público o diálogo. Para o criminalista Eduardo Ferrão, um dos mais requisitados advogados de Brasília, não pairam dúvidas sobre a legalidade do escuta telefônica e da divulgação da conversa. De acordo com Ferrão, só haveria óbice caso não houvesse autorização judicial:
— Se a interceptação foi autorizada pela Justiça, e se depois houve a queda do sigilo dessa interceptação, não há problema algum. Seja qual for o interlocutor do alvo da escuta telefônica, ele pode ter o nome divulgado. Desde, claro, que tudo tenha amparo judicial. O grampo precisa ser legal — disse Ferrão.
Esse é o mesmo entendimento do doutor em direito penal e professor universitário André Callegari. O advogado, que tem entre seus clientes investigados na Lava-Jato, considera que não há delito em divulgar a interceptação telefônica quando o alvo original não tem prerrogativa de foro.
— Se o juiz permitiu, sem problema. Mesmo que a Dilma tenha sido interceptada junto. Foi acidental, me parece — pondera o especialista.
Consultado por Zero Hora, um ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça que preferiu não se identificar compartilha da visão dos advogados.
— Quando você quebra o sigilo de alguém, é porque o sujeito é suspeito de algum crime. Então todo mundo que se comunica com essa pessoa tem os registros captados. Pode ser o Papa, que não há problemas em divulgar essa conversa — atesta o magistrado.
Não há unanimidade, contudo, nessa opinião. O constitucionalista Aury Lopes Junior, também professor de Direito, considera que “de maneira alguma poderia ter ocorrido o vazamento dos áudios envolvendo a presidente”. Ele acredita que a prerrogativa de foro dá a ela direito de ter seus diálogos apenas analisados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
— O correto, à luz das regras básicas da conexão e da continência, é reunir tudo no STF. Havendo concurso de pessoas e tendo uma delas prerrogativa de função, a reunião dos processos para julgamento simultâneo se dá no foro privilegiado (no caso, no STF).
— A Dilma possui foro especial, privilegiado. Mesmo que captada acidentalmente numa conversa com pessoa sem foro especial, que é o caso de Lula, a conversa deveria ter sido remetida ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros do Supremo decidiriam, então, se é o caso de liberar o diálogo para a imprensa ou não — complementa o professor de Direito Penal e Constitucional Alexandre Wünderlich.
Outro foco de discussão é se a presidente Dilma tentou obstruir a Justiça ao mandar a Lula um termo de posse, para usar “em caso de necessidade”. Eduardo Ferrão afirma que a interpretação é muito elástica e que haverá uma “guerra jurídica” em torno da motivação do ato da presidente. Já o ex-ministro do STJ consultado por Zero Hora é peremptório ao afirmar que “não houve tentativa de obstrução”. André Callegari diz que — em tese — pode ter havido tentativa de obstaculizar a ação da Justiça.
— A lei de investigação de organização criminosa prevê punição para quem, de qualquer forma, embarace a investigação. Isso é a teoria, o STF é que vai decidir se houve ou não obstrução — analisa Callegari.